Histórias de Moradores do Taboão da Serra

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da cidade.

História do Morador: Robinson de Oliveira Padial (Binho)
Local: São Paulo
Publicado em: 22/06/2015

 



História: Caminhos da poesia
Sinopse:

Robinson de Oliveira Padial, o Binho, descreve em seu depoimento a infância passada no bairro do Campo Limpo em São Paulo, suas brincadeiras, o início do seu interesse pela literatura e pelo futebol. Fala sobre sua adolescência, os trabalhos que teve e sobre as viagens que fez para a Europa. Relata as experiências num Kibbutz em Israel e a época em que morou na Inglaterra. Binho comenta sobre seu casamento e sobre o nascimento do “Bar do Binho”, espaço onde ocorrem saraus e projetos que envolvem poesia e arte, destacando a importância dessas ações no contexto literário de São Paulo.

História

Meu nome é Robinson de Oliveira Padial. Nasci ao acaso, no Taboão da Serra, São Paulo, no dia 27 de novembro de 1964. O meu pai se chamava Joaquim Antônio Padial. Minha mãe chamava Hilda Vasconcelos de Oliveira Padial. E a minha mãe trabalhava no hospital, acho que era auxiliar de enfermagem, antes de conhecer o meu pai e o meu pai, ele era mestre de obra, depois foi farmacêutico, meu pai teve a primeira farmácia do Campo Limpo. Acho que somos 15 por aí, eu não sei ao certo. Assim, em casa, meu pai com a minha mãe são cinco e teve os bônus, filhos fora do casamento.

A minha mãe comprou a coleção do Jorge Amado, pra gente ter acesso ao livro, tinha que vir aqui em Pinheiros, em uma biblioteca que tinha aqui, onde é a Cetesp, ali, não sei se ainda tem essa biblioteca. Eu trabalhava com o meu pai carregando porta, era moleque e com 13 anos, eu já estava trabalhando, com o meu pai. Já com 15 anos, eu fui trabalhar numa empresa de office-boy porque as coisas com o meu pai já não estavam legal, eu acabei arrumando um outro trabalho.

Terminou a escola, eu fiquei meio na vagabundagem, a faculdade eu não tinha grana para pagar. Antes desse período, a gente morava numa casa que era nossa, o meu pai precisou, nessa doideira dele, ele vendeu a casa e a gente ficou pagando aluguel anos. Isso para a minha mãe foi a morte, da gente ter a nossa casa e depois, precisar vender essa casa e não conseguimos ter casa mais nenhuma. Isso foi já década de final de 80, a gente já mudou, já tinha mudado de casa e foi para os alugueis. Eu consegui fazer o cursinho, eu fui trabalhar de vender banana. Eu ganhei um dinheirinho e falei: “Vou estudar”, eu ganhei uma bolsa, que um amigo arrumou pra mim. Mas a minha base era muito fraca, eu fiquei estudando dois anos, então eu consegui estudar um ano só e o meu pai sublocou a casa, ele fez uns quartinhos na frente da casa, tinha um quintal grande, ele fez uns quartinhos de madeira e começou a alugar, um dia eu cheguei em casa, estava uma pessoa lá querendo matar a outra com uma faca na mão. Eu fiz o primeiro poema meu sobre essa discussão, é assim: “Você falou, não falei; você falou, não falei; você falou, não falei; você falou, não falei; cefaleia”, meu primeiro poema.

Eu não consegui entrar na faculdade, eu queria fazer medicina. Depois em 89 veio o Collor, eu decidi ir embora. Eu já namorava com a Suzi, ela me ajudou nesse processo e falei: “Vou fazer uma festa, um bota-fora”, eu tinha um fusquinha e uma moto, vendi os dois, eu juntei 1456 dólares. A passagem, eu acho que eu financiei e fui embora. Eu desci na Espanha, fiquei 15 dias lá em Barcelona, tentando arrumar um trabalho, tal, não consegui. Fui para Itália e depois fui morar num Kibbutz em Isreal. Depois trabalhei num outro lugar que chama Moshave, que são as fazendas capitalistas, trabalhei lá, envenenando rosas trabalhava com máscaras e tudo e num campo de tomate. A Suzi me mandou cem dólares numa carta, com mais um pouquinho, um amigo meu também tinha traveller cheques, eu consegui chegar no eu fui para o Egito. Eu fiquei dois anos na Inglaterra, a Suzi foi depois, viu que eu não voltava. Nosso casamento foi aí, de morar junto.

A poesia veio, quando eu cheguei, a gente montou um bar. A gente abriu esse bar em 93, de cara foi um sucesso o bar. Arrebentou tudo, já deu muito certo e a gente morava num quarto e cozinha lá da minha sogra, tinha a filha pequena. A gente montou o bar, daí dez dias, a minha filha nasceu. Em 95, eu conheci a biodança. A biodança é um movimento afetivo que trabalha muito as cinco linhas do ser humano, criatividade, sexualidade, transcendência, afetividade, e, numa vivencia de criatividade, eu fiz uma poesia lá, tinha que fazer uma poesia para um amigo. Eu comecei a escrever a partir dali, fui me encorajando mais e tal, isso em 95. E lá, eles faziam um sarau no final do ano, eu participei do sarau. Eu levei para o bar, eu não lembro se foi em 95 ou 96, a gente não chamava de sarau, chamava de Noite da Vela, tocava os vinil, os bolachão e entre um intervalo até você trocar o disco, não era o pendrive que é tão rápido, que já toca uma música, você tinha que trocar, escolher a música e tal e alguém sempre falava: “Deixa eu falar uma poesia”. E alguém falava poesia, eu comecei a levar alguma coisa de poesia que eu tinha em casa, comecei a buscar mais e começamos a fazer um pouco de poesia, mas não chamávamos de sarau. Quem veio dar o nome de sarau mesmo foi o Marco Pezão e o Sérgio Vaz que chegaram depois, isso em 2000. E, numa dessas noites da vela, eu falei: “Poxa, a gente podia colocar a poesia em poste”, veio a luz. Eu lembro até hoje eu falando para o meu cunhado isso, meu ex-cunhado, falando: “Poxa, a gente podia colocar a poesia em poste”. Mas a partir daí isso foi em 97, a partir desse momento que a gente fazia no bar, na noite da vela e tal, a partir daí, pessoas começaram a se conectar e saber que a gente estava fazendo, estava rolando alguma coisa com a postesia. Então, a postesia foi um embrião. A gente só ia colocando poesia, colocava na periferia, no Campo Limpo, na região e saía colocando pela cidade, vinha até a Paulista colocar.

O Cefaleia é assim, mas foi aquele só, então eu já tinha um embriãozinho, talvez eu tinha visto alguma coisa, algum poema pequeno de alguém e tal. Aí, dessa passagem, a gente com bar, filha crescendo, a gente trabalhando, tudo, sem muito tempo porque o bar toma muito tempo, é muito trabalho. Veio a Postura, poesia com pintura, e criou-se um caldo cultural na região. Então, aquele movimento foi muito forte, o hip hop, o rap foi muito forte. Eu não tive quase a influencia do rap, não era a minha influência, mas eu ouvia. Mas tudo aquilo foi importante, aquilo tocou muita gente, me tocava também, mas não que a minha escrita tenha influência. No sarau tem gente que vai por essa linha, que veio daí, bebeu dessa fonte.

Aí Virou Bar do Binho. Eu queria chamar de Las Tetas, porque no começo, eu trabalhava com avental que era uma teta, mas a Prefeitura não deixou. Eu falei: “Põe qualquer nome”, aí o contador virou ao contrário e botou Satets, ficou feio para caramba. Mas no final ficou Bar do Binho. E criou esse caldo cultural ali, veio 99, eu lancei o livro Postesia. O pessoal falou: “Por que você não lança o livro das poesias?”, que era ideia também original, depois eu desviei o curso, porque eu achei muito mais importante fazer a postesia e foi realmente, muito mais importante do que o livro e em 99, eu lancei o Postesia. Eu vendi um aparelho telefônico que eu tinha, naquela época, se vendia telefone, eu dei um dinheiro para um amigo meu que tinha uma gráfica em Campinas, o João. E aí ele fez o livro para mim, o Postesia, chegou no dia, na hora, atrasado ainda, eu falei: “Meu Deus do céu, não vai ter livro para lançar”. Foram 500 e pouquinho. Mas no dia a gente vendeu 150 livros. Na esquina do bar, quando a gente fazia os reggae, eram mil pessoas na rua. Então, foi muito sucesso no bar, teve muito movimento e é periferia. Então tivemos umas coisas lá que aconteceram de ter muitos problemas, o bar foi fechado também.

Abrimos outro bar lá no Campo Limpo, em 2004, eu abri o bar acho que em abril ou março. Foi 1º de abril a inauguração do novo bar, de 2004 e em maio já começamos a fazer sarau. Batido, toda segunda-feira, que já se conhecia muita gente, já tinham os poetas e tudo. Começamos a fazer o sarau e eu escolhi até a segunda-feira, que era um dia tranquilo, mas ele foi se tornando um sucesso tão grande que era o dia mais movimentado do bar. A gente não esperava que fosse, é uma coisa sem muita pretensão mesmo. Já existia a Coperifa nessa época. Eu estava junto com o Pezão, com o Sérgio, a gente fazia o sarau, o Sérgio convidava. O Pezão, ele foi o primeiro cara que fotografou a postesia, cara, ele botou a foto num jornalzinho que ele trabalhava. O Sarau começou sem muita pretensão, fazia poesia ali e tal. Depois, incorporamos algumas músicas, o pessoal vinha com música também e foi de 2004, 2005 e aí foi até 2012.

Em 2005, 2006, 2005, eu participei de uma caminhada em Minas, eu e o Wagnão, um amigo nosso que tinha uma banda chamada Banda Preto Soul, e a Suzi foi também, a Naiana, só que elas não caminharam, caminharam alguns trechinhos, era 200 quilômetros de caminhada, chamava Caminho da Luz, em Minas Gerais. Quando eu voltei, isso foi em 2005, em 2006, eu fui para Cordisburgo. Em 2007, nós lançamos o livro “Donde Miras?”, que era dois poetas e um caminho pela Edições Toró do Allan da Rosa. Chegou em janeiro, comecei a falar, outras pessoas do sarau começaram a se juntar, tinha um pessoal da Brava, também ajudou a gente, pessoal do teatro e começamos a trabalhar e o pessoal ali, todo mundo do sarau, gente que não era também. E o pessoal começou a acreditar: “Esses caras vão mesmo, esse cara é doido!”. Me veio uma data na cabeça, 5 de janeiro, que era uma data também que dava para ir todo mundo, por causa de férias e tal. Fomos até Curitiba fazendo sarau, de cidade em cidade, assim nasceu o “Donde Miras?”. Mas isso só foi possível por conta do sarau, de já ter existido o sarau, uma epopeia isso aí e fomos, chegamos em Curitiba em 33 pessoas. Trinta e três pessoas, em um mês, que a gente não ia só caminhando, a gente parava na cidade, conhecia os artistas locais, os que davam para conhecer, sem produção, sem nada. Isso foi em 2008.

O sarau, a ideia é pegar um pouco de cada um, do que está aqui dentro, dessa criatividade que todo mundo tem, basta a pessoa observar um pouco nela mesma e começar a trabalhar isso. Isso é um dom que já veio, todos nós temos. E a ideia é essa pessoa se expressar, porque eu sempre acreditei que o caminho da criatividade é o caminho que vai nos livrar do mal. Então, quando o sujeito consegue se expressar assim, 20 centímetros do chão, mas o cara subir naquele palquinho ali, para recitar uma poesia tremendo, pra mim, eu ganhava a noite!

Cada sarau foi um sarau, gente que veio de longe, cachorros que passaram por lá, muitos cachorros. Muitos cachorros passaram pelo sarau, eu não sei o que tinha ali, que os cachorros protegiam a gente. Tinha cachorro que ele sabia que o cara não estava em sintonia com o sarau. Se chegava um bêbado lá, meio trançando, que já veio de outro lugar ou alguém que destoava, o cachorro latia para a pessoa. E ele frequentava o sarau toda segunda-feira! Esse cachorro ficou um tempo com a gente, cara!

Esse agora, já, o sarau xamânico. A gente fez um sarau xamânico, primeiro sarau xamânico, no Sarau do Binho, que a gente fez, que convidou o Mário, que é um dirigente lá da Ayahuasca e os índios Fulni-ô juntos para fazer esse primeiro sarau xamânico. Então, o sarau tem essa característica, ele pega de todas as fontes da expressão humana mesmo, o que cada um pode trazer, contribuir ali. E hoje, eu torço muito por isso ainda, a gente está fazendo no Clariô que é muito legal e tem o sarau da praça do Campo Limpo também que a gente faz.

Eu queria fazer sarau na escola, cheguei numa escola perto de casa que tinha convênio lá com os caras, a diretora mandou alguém lá, não me recebeu, eu insisti, depois ela me recebeu já com o carimbo na mão: não atende às necessidades da escola. Eu não quis me mexer, nem nada, mas assinou atestado de sei lá, burrice, de incompetência, de não vivência da parte dela, da coisa que acontece ao redor. E eu cheguei na escola, vi lá: “Sarau do Binho”, num grafite, poesia, Sarau do Binho. Cheguei e encontrei um professor que me conhecia, falei: “Puta, aqui vai ser legal, né?”. O bar foi perseguido e fecharam, realmente o bar. Não tive condições, recebemos duas multas, fizemos uma campanha no cartaz, o pessoal ajudou a pagar essas multas, foram 12 mil reais de multa, depois teve uma outra. Foi bravo demais, eu não tinha condições de pagar, fechou assim, de uma hora pra outra.

Mas nesse meio, a gente inventou a bicicloteca. A bicicloteca eu inventei na caminhada. Estava em Mongaguá, eu tinha levado uns livros daqui, falei: “Como é que eu vou fazer?”, queria aproximar mais as pessoas. A gente ia com a bicicleta. O bar fechou em junho, eu acho de 2012, depois eu fiquei ainda uns três meses pagando aluguel, cara, pra poder ver se eu conseguia reverter a situação e hoje, lá é um bar. Nós não podíamos e hoje tem outro bar lá.

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